É de TÁXI que eu vou




A ano 2000 fechou para mim com chave de ouro e cheio de surpresas. Uma delas foi a reedição do meu livro – “Hans Donner e seu Universo” –, lançado em 1997 e esgotado logo nos primeiros meses. Foram várias tentativas de reedição, com versões mais baratas para estudantes, mas nada se concretizava. Toda vez que alguém me perguntava onde podia comprar o meu livro, doía dizer que ele estava esgotado.
12/12/00 – Estava eu, surpreendentemente, a caminho do aeroporto para o relançamento do livro em São Paulo, agora pela Editora Escala, com o patrocínio de nada mais que a tradicional grife de cristais Swarovski, entre outros. São mais de 20 mil exemplares que estarão sendo distribuídos no mercado.
Quando já estava no balcão de embarque, vi um cara correndo para me entregar um molho de chaves. O meu molho de chaves, que eu havia esquecido no banco do táxi. Agradeci a atenção do motorista.
Na capital paulista, o coquetel de lançamento do livro foi ótimo. Da Globo, só estiveram presentes dois grandes amigos – Valdir Cimino e Mario Rubial. E o lindo buquê de flores da Marluce.
No dia seguinte, Valéria e eu fomos ao Hospital dos Aidéticos para participar da Festa de Natal que o Valdir Cimino organiza lá todo ano. É realmente chocante ver o estado em que as crianças e os adolescentes portadores do vírus da AIDS vivem. Conversei com uma prostituta aidética, e me emocionei muito. De repente, começou a chover forte, a chover granizo, uma chuva que durou as duas horas em que fiquei no hospital. Todas as crianças se amontoaram em cima de um pequeno palco, coberto por uma lona, aonde nós também fugimos das águas que iam se acumulando com a tempestade. Para tirar as crianças doentes de lá foi preciso transportá-las em uma ambulância. Qualquer chuvinha poderia levá-las à morte, pois com o vírus da AIDS ficam sem defesa alguma, sem nenhuma imunidade, propensas a pegar qualquer doença. Um cenário muito triste, seres humanos que precisam realmente de um pouco de carinho. Era para isso que estávamos lá.

O trânsito em São Paulo geralmente já é um desastre; imagina em dia de chuva torrencial... Levamos uma hora e meia para chegarmos ao hotel em que o Otto Weisser – amigo pessoal e um dos melhores fotógrafos de nu feminino do mundo – estava hospedado, para analisar as provas gráficas de um calendário da Valéria para 2001. No táxi, mais uma vez, o motorista “puxou papo” comigo e disse que conhecia tudo da minha vida, que o filho dele estava nascendo no momento em que o desfile da escola de samba Mocidade Alegre, em minha homenagem, estava acontecendo, em 1997. 

Ele me disse que era metalúrgico e que acompanhava muito da minha vida. De uma hora para outra, começou a me dizer coisas lindas, mensagens muito bonitas... Eu estava com cinco exemplares do livro no carro e resolvi presentear alguém que conhecia tudo da minha vida. Enquanto escrevia a dedicatória para ele, José Juliotti, o motorista-metalúrgico, um ser humano fantástico, tirou um cartãozinho do bolso, escreveu umas palavras e disse: “Você não é tão bonito, mas entrega esse cartão para a Valéria”. No cartão, ele havia escrito: “Valéria. Tudo na vida é simples comparado com a sua beleza”. Estava criado o 12o título para acompanhar a foto do 12o mês do calendário da Valéria. Eram 11 pessoas conhecidas do país inteiro que já tinham escrito frases sobre a Valéria para os 11 meses anteriores. O meu mais recente amigo – o motorista de táxi de São Paulo – será o representante do povo no calendário, um sentimento que Valéria e eu tivemos e que se realizou, resultado de mais uma coincidência na minha vida.

Na manhã seguinte, de volta ao Rio, mais uma surpresa: o motorista do táxi que peguei para vir à Globo era o mesmo que tinha me levado e devolvido o molho de chaves. Quantos anos uma pessoa poderia ir e voltar para São Paulo e não encontrar o mesmo taxista!!!