Quando
Laços de Família começou, Adalberto achou-a uma novela inofensiva, chegando a
indicar, numa de suas idas ao Motel Holiday com Izaurete, sua namorada há
longos dez anos, que ela a assistisse. Só que, a partir do momento em que
Izaurete começou a acompanhar a novela, algo mudou no seu comportamento,
passando a ter umas reações nada habituais. Isso Adalberto constatou quando ela
faltou pela primeira vez ao encontro semanal que mantinham, sempre às
terças-feiras.
O
perfil do Adalberto era simples: aposentado, ganhando pouco, solteiro, dividia
as despesas e morava com sua irmã, também aposentada e viúva de um general, no
apartamento dela no complexo do Riocentro. A despesa maior de Adalberto era às
terças-feiras, quando levava Izaurete para jantar no La Mole, onde dividiam o
prato e o couvert e depois iam ao motel fazer amor.
Izaurete
nada pedia, pois sabia da situação do seu namorado. Do lado dela, nada podia
fazer sendo simples funcionária da Prefeitura da Barra, onde ganhava uma
mixaria. Contentava-se com os presentes que recebia no dia de seu aniversário,
no Natal, Ano Novo, na data em que se conheceram (Adalberto tinha obsessão por
uma colônia do Boticário e em todos as ocasiões lhe dava a mesma coisa).
Era
terça-feira, ele já estava sentado esperando, seu Technos à prova d´água
marcava mais de oito horas e o celular de Izaurete só dava “fora de área”.
Foi
até o orelhão e ligou pra casa. Sua irmã atendeu. Nada de notícias! Pagou a
conta e foi embora. Quando chegou, sua irmã estava assistindo “Os Maias”.
Estava na apresentação do capítulo. Quando ele leu “Os Maias” na telinha, levou
o maior susto. Pensou que o Cesar tinha sido clonado. Sua irmã estava tão
fissurada no Walmor Chagas que nem o viu entrar e logo se dirigir à secretária
eletrônica. Nenhuma mensagem! Pegou uma latinha de Brahma na geladeira,
sentou-se no sofá e, enquanto via TV, perdia-se em seus pensamentos. Onde
estaria Izaurete?
A
madrugada foi péssima para ele. Nada de conciliar o sono. Rodou na cama mais
que o CD Roberto Carlos onde a música que os dois haviam escolhido estava
gravada: “Porque eu rolo na cama... você é mais que um problema... é uma
loucura qualquer...” – e por aí afora! Sem dúvida, era um pesadelo musical!
Manhã
do dia seguinte: Izaurete chegou, como todos os funcionários, atrasada... Sua
seção tratava de IPTUs dos inadimplentes. A maioria, com justa razão, pertencia
aos moradores do Recreio, só lembrados durante as campanhas políticas e depois
esquecidos (A Praia da Macumba e a estrada do Rio Morto se constituem na maior
realidade de como se governa mal e um prato cheio para os turistas que buscam
as últimas praias limpas do Rio!). Bom, isto é assunto para mais de dez anos,
no mínimo. Voltemos à Izaurete! Olhou a agenda. Ligar para o Dudu, apelido do
Eduardo Paes, para os mais íntimos. E ela havia sido apresentada pela melhor
relações-públicas daqui do Pontal, que é a Lu, do Gepetto. Depois da
apresentação, ser cabo eleitoral do Cesar Maia foi “pinto” (Para os que não
conhecem a expressão, pinto no caso quer dizer “fácil”!).
Ligou
para o Dudu e ouviu que o aumento do funcionalismo da Prefeitura, tão prometido
e aguardado, tinha sido suspenso. Compressão de despesas. Ao ouvir isso só não
xingou o Eduardo porque achava ele bonitinho, mas a mãe do Cesar e a Maria Zilda
Bethlem, mãe do Rodrigo, coitadas! E ficou mais p. da vida quando Odete, sua
colega da escrivaninha ao lado, mascando chicletes, mostrou-lhe a manchete do
Globo, denunciando o nepotismo! Cesar negara o aumento aos seus funcionários,
mas nomeara sua esposa, seu filho, sua mãe, sua avó, sua bisavó, seu bisavô e
até mesmo um “primo”, coleguinha dos seus tempos de seminário. Todos em cargos
de confiança. E ela ganhando 480 reais por mês! Aí ela ficou fula (pra não
repetir o p.) da vida. Começou a xingar todo o sistema. Nem o mulato (FHC)
escapou! Ia jogar no chão o mata-borrão (raridade de 1930) que adornava sua
escrivaninha, quando o telefone tocou. Com o mata-borrão no alto da mão
direita, atendeu ao telefone com a esquerda. Claro que era Adalberto, que ouviu,
num tom jamais utilizado por ela, a frase a seguir: - “É com você mesmo que eu
quero falar!".
Depois
do telefonema, não trabalhou mais. Não tinha clima. Foi direto pra cantina,
onde havia marcado o encontro com Adalberto. Chegou lá, estava com sede, pediu
um guaraná pra beber. Logo se lembrou do prefeitinho homônimo e suspendeu,
trocando por uma caipirinha que o dono da cantina servia por baixo dos panos.
Quando Adalberto chegou, ela já estava na terceira dose. Seus olhos estavam tão
vermelhos que parecia ter fumado uns cinco baseados. Viu o seu amado e repetiu:
– É com você que eu quero falar! E começou o desabafo: que estava cansada de
tudo, de dar pra ele de graça, com o emprego, com as promessas não cumpridas.
Que iria abandonar tudo e fazer michê. Se fizesse um por dia ia ganhar uns
quinze mil por mês. Era só cobrar quinhentinho. Deu uma geral nela mesma e
abaixou o preço: “Cinqüenta reais já dá mais que meu salário mensal”. Agora, se
ele quisesse exclusividade, que bancasse os quinze mil sozinho. Adalberto ficou
mais pasmo do que estava. Izaurete continuou, dizendo que ia fazer um regime
com a Dra. Tereza Morelli, dar adeus às pizzas do Gepetto e botar um anúncio no
Tipo Carioca: “Pantera gaúcha! Faz qualquer programa! Corpinho de parar o
trânsito! Trilegal! Aceita todos os cartões!” Instalara-se nela,
definitivamente, o efeito Capitu!!!
Adalberto
chegou bêbado em casa, arrasado. Tomou um litro de chá de boldo que a sua
prestimosa irmã preparara. Na outra semana, coincidência ou não, ao ver o Jornal
Nacional e ouvir do William Bonner a notícia de que o juiz Siro Darlan proibira
as crianças de participarem da novela das oito, ficou de pé no meio da sala,
deu um berro tão forte que o lustre tremeu, o prato caiu das mãos da irmã – que
comia e se engasgou, ao mesmo tempo em que os “bobs” de sua cabeça balançavam.
Mais
tarde, o pacato Riocentro foi sacudido por um tremendo foguetório. Os moradores
logo pensaram que era o aviso de que o pó tinha chegado na Rocinha. Alguém
aventurou um palpite: "Pelo tamanho do estrondo, o Rock in Rio só vai dar
doidão!".
Nada
disso! Era Adalberto que, da sua janela, comemorava a proibição, na TV, do
filho da Capitu.
Alguns
meses depois, Adalberto, que não era de ferro, paquerava na fila do ônibus em
frente ao BarraShopping, quando à sua frente parou um Uno Mille vermelho,
novinho em folha. Na direção Izaurete, vestida de pantera, com botas
altíssimas, maquilagem exagerada, uma pinta preta na face esquerda, cabeleira
caju, fazia sinais para ele entrar. Pensando que era um travesti, Adalberto
relutou, a princípio. Quando viu que era Izaurete, aceitou a carona que ela lhe
oferecia. Naquela noite, pra matar saudades, ela deu pra ele três vezes
seguidas. E não cobrou nada!!!