O REDI FOI EMBORA




Horas antes de morrer, o Redi esteve comigo na Globo, sentado na cadeira que tenho para visitas e o papo com esta doçura de homem foi de tal forma abrangente que, desde que se foi, estou convencido de que ele tinha vindo para se despedir. Depois explico.
Fora o ano em que ele trabalhou conosco, diretamente aqui no Rio, mantivemos a relação de trabalho (à distância) e de amizade durante os 25 anos em que ele esteve morando em Nova York. Todos esses anos ele me visitou, sempre expondo seu dilema, se deveria voltar pra cá ou ficar lá, e, todas as vezes, eu ponderava as vantagens do Rio e a segurança financeira que seu reconhecimento profissional nos maiores periódicos dos EUA representava.
Ele estava mais magro, falando deste tremendo inverno em Nova York, que afetava o comportamento das pessoas, obrigando-as a ficar em casa e de só sair à rua por motivos de extrema necessidade,  ainda assim sem deixar qualquer parte do corpo exposta à intempérie. Isso com 35º positivos do lado de fora, nessa quinta-feira recente, 12/02. Ele esteve me contando como dessa vez tinha vindo para ficar, para poder estar perto e cuidar da mãe – uma senhora com 93 anos e um humor fantástico –, junto com o seu irmão Luiz. E notei que ao me referir à palavra “operação” (em relação a um amigo), ele se curvou com uma exclamação de dor, como se estivesse recebendo um soco no estômago. Ao comentar isso com o irmão, dois dias depois, numa ocasião muito triste para todos nós, fiquei sabendo de que, um ano atrás, havia sido diagnosticada uma condição cardíaca e que tudo tinha sido arranjado para uma intervenção preventiva, relativamente leve, mas que, devido a essa aversão, não foi realizada. O que é incrível, entretanto, é que o filho do Luiz – herdeiro da enorme sensibilidade e do talento do tio –,  ao ouvir falar de cirurgia, desmaia.
Agora o Redi, na véspera de ir embora – lamentavelmente, de vez – trouxe um daqueles lagartos com várias peças de encaixe do M.C. Escher, como presente para o João Henrique (meu filho de 1 ano), comprado no MOMA de N.York. Mas – e aí a situação ficou intrigante – também me deu uma luva com chocalho para o nosso segundo filho, José Gabriel, que ainda está por nascer! Pelo menos enquanto estou relatando esses fatos.
Quais seriam os motivos para ele antecipar um presente para o José Gabriel, morando na Gávea – a menos de 2km da Globo – no mesmo apartamento em que morou enquanto trabalhava conosco há dois anos? Nunca saberemos ao certo, mas com certeza ele é a figura masculina mais sensível que conheci – requisito número um para quem tem o dom de sentir e pressentir as coisas...
A sensibilidade dele não admitia sequer matar uma formiguinha, daquelas miudinhas que aparecem pela parede da cozinha no verão. Ele veio nos consultar, alvoroçado e acabou fazendo uma trilha de açúcar para fora do apartamento. Isso era o Redi. O Redi que mostrava as nossas cores, o nosso Brasil, a nossa alegria de vida para os americanos e, recentemente, pediu uma pequena intervenção minha para que a Globo Internacional  fizesse uma matéria sobre uma exposição dos seus trabalhos em Nova York. Mas nada aconteceu, até o dia de sua morte. Aí virou notícia no Jornal Nacional, falou-se sobre D. Flor e seus dois maridos etc.
Um gênio como o Redi, que não matava uma formiguinha sequer, certamente está no céu. Eu o imagino com a grande dúvida se volta ou não volta para nos dar mais alegrias com as suas caricaturas, onde as figuras se parecem com ele.