Cantinho da Poesia




Ofício árduo

A simplicidade, disse alguém,
é a perfeição suprema,
tanto no que o autor diz e faz,
quanto a interpretar para o mundo
a magna qualificação que chancela
o contexto limpo e claro da escrita.

Tenho a mim por escriba complexo,
porque ignoro a brevidade necessária,
a que outorga recurso hábil e resistente
com que o escritor sóbrio e resiliente
parte às direções longínquas do idioma,
satisfeito, porém, em ficar perto do leitor.

Porventura estará no mapa genético
a costumeira paisagem do artífice,
do escultor capaz de encantar palavras,
dar-lhes um verniz tão simples,
igual à lavagem de um corpo jovem,
ministrando-lhe apenas água e sabão?

Escrever simples é ofício árduo,
requer talvez uma alongada paciência,
suficiente para livrar a mim do tédio,
da suspeitada voz de haver inspiração,
quando na verdade não se vislumbra
no instante algum resquício de talento.
Daladier Carlos


Poucas palavras

Escrevo por escrever
só pra dizer que te escuto
tenho prazer em dizer
que é por nós dois que eu luto
organizar as palavras
e nada dizer de fato
com exceção de que lavras
no peito meu teu olfato
com a minha fala mendiga
me esconder da razão
querendo que tu me digas
se ‘inda me queres ou não
da incoerência abusar
achando que escrevo bem
mas nunca mais me enganar
que o teu amor me convém
e terminando o que digo,
sem nem saber o que fiz,
me acostumar ao castigo
de enfim poder ser feliz.
Aluizio Rezende

Folhas de outono

Eu rego com pranto onde planto a saudade
Que sai de outros e cantos e me invade
Eu chovo nas folhas do outono
Que secam e disfarçam em meu mundo
Até que a chuva de inverno as levem de mim.

Eu relevo as leves camadas
E faço dourados os fios de algodão
Que entres as folhas que estão molhadas
Secam as lágrimas do meu coração

Mas não suporto o peso das mágoas
Que as águas não lavam
Que os ventos não levam
E que em meu peito revezam
E, desprezam o fato, de que precisam ter fim.

Que fique a saudade que for de mim
Para que eu não esqueça a primavera
De outras estações...
Ivone Alves