QUESTÕES ACADÊMICAS - CIÊNCIAS DA TERRA





A universidade é uma extensão da comunidade a que ela pertence. Ou pelo menos deveria ser. As principais atribuições das academias são a docência (graduação e pós-graduação) e a pesquisa. Se estes dois aspectos se integrarem na prática (assistência) direta à comunidade – e respondendo às questões e necessidades dela –, então teremos uma universidade no cumprimento de seu papel, conforme a Constituição prescreve.

Mas nem mesmo uma administração federal com enfoque de centro-esquerda (é o máximo em que se pode localizar o PT de hoje) pôde sequer tocar naquilo que é realmente o motor da maior parte das universidades brasileiras: o poder das multinacionais, da política e do dinheiro, seja ele público ou na forma de lavagem.


As universidades particulares são entrepostos dos interesses do mercado. Prometem uma formação rápida, a custo de muito dinheiro, levando adiante a mentalidade estabelecida em suas grades curriculares (nada além do que a receita de bolo), jogando tecnocratas insensíveis em um mercado "emergente" onde o maior objetivo a ser atingido é acessar uma "multinacional". 

Aqui no interior de São Paulo existe um enorme outdoor, ornado pelo rosto de uma linda estudante: "Estudei na Anhanguera e fui contratada por uma multinacional". Tenho fotos.
Isso parece com o pós-guerra, onde os pais se orgulhavam de a filha casar-se com um militar (a profissão de maior valor na ocasião). Se perguntarem a todos os estudantes de universidades particulares, a resposta será sempre a mesma. Depois de tanto dinheiro investido pela família ou pelo próprio estudante, ele quer, o mais imediatamente possível, se "recapitalizar" e fará isto trabalhando para Deus ou o diabo. Mas o diabo paga bem melhor.
Nas universidades públicas, o terror é mais diluído. Muitos setores são realmente progressistas – os estudantes são sempre atentos ao que ocorre no país –, mas quem manda, de fato, naquilo que é levado como currículo são também as multinacionais. De uma maneira surda, quase imperceptível, todos os currículos se organizam a formar o agrônomo a praticar o agronegócio, a envenenar nossa comida com pesticidas de todos os tipos, a destruir a fertilidade da terra do país e as sementes nativas. 

Quem são então os verdadeiros reitores, os de fachada ou os diretores da Monsanto, da Dow Chemical e de todas estas porcarias, já em grande parte cerceadas em seus países de origem? Quem manda nas universidades brasileiras? Quem manda no Congresso Nacional?
O aplicado aluno de agronomia quer ser empregado do governo ou de uma multinacional e assim o fará, sem pestanejar, obedecendo ao seu patrão Big Brother e ganhando, por fim, o devido status e, quem sabe, galgando na hierarquia acadêmica. Quanto mais publicar favoravelmente aos pesticidas, geneticamente modificados, invasão "regrada" de biomas, mais benefícios terá da academia. Pode mesmo chegar a reitor.

E quando se tornar um medalhão (ou seria um merdalhão?) estará ganhando uma fortuna por debaixo dos panos –  exatamente para perpetuar aquele modelo acadêmico pobre e obsoleto, que perpetua por sua vez uma política de terras de escassez e obsolescência.
Do contrário, se este estudante optar pelas agroflorestas, pelo plantio biodinâmico, sementes nativas, pequenos produtores rurais e orgânicos, organização de redes de distribuição de alimentos da população pobre para a população pobre, estará esquecido, nunca será lembrado para ocupar qualquer espaço na universidade, mesmo que tenha sido o melhor aluno de todos os tempos! A família dirá que enlouqueceu, os amigos se distanciarão. Ele cedeu à "sedução" de auxiliar de fato a comunidade e não juntar-se aos interesses financeiros – e políticos – da maioria.

Ao participar de uma palestra sobre Agroecologia na UFSCar de Piedade (próximo a Sorocaba), disse aos estudantes que ali se abasteciam de informações que nunca teriam acesso no currículo normal: "sejam vocês os melhores, vocês devem estudar mais e saber mais do que aqueles que optam por seguir as cartilhas impostas pelo poder. Diferenciem-se, façam a diferença! De vocês depende uma nova visão do mundo e uma mudança neste paradigma pobre, escasso e obsoleto!".

Ao terminar a reunião, tive a gratidão de alguns professores, que confidenciaram que pensam o mesmo e dizem o mesmo a estes alunos. Temos um grande desafio. O poder sobre as universidades é ditado pelo capital. Isto chama-se ditadura! 

Precisamos, cada vez mais, de consciência para reconhecer esta forma de ditadura e atuar de forma criativa, dentro ou fora das universidades sitiadas, para que a grade curricular obsoleta e retrógrada, baseada na escassez dos currículos europeus e americanos, seja desconstruída.
Enquanto isso, seremos os "professores e alunos excluídos" dessas universidades, ditadas por estas regras; nelas nunca poderemos de fato lecionar. Lecionamos, sim, à população, esta cada vez mais ávida por informações de mudança, em uma universidade invisível, mas totalmente integrada à comunidade e independente das pressões de grupos econômicos.
Seremos nós, talvez, os verdadeiros professores universitários, da verdadeira universidade, aquela cuja função é a de atender aos interesses da comunidade onde está inserida.