Cantinho da Poesia



Utopia

Cambaleante andas, amigo.
Já não olhas, altivo, a praça;
Diante do Sol paraste.
Para quê?

Seus belos tornozelos
Pulsam na terra desocupada;
Não há mais nervos.
Diante do Sol ouviste.
Para quê?

Seu tempo se desfez
seu momento envernizou, secou
no sopé de outra marca.

Terra na unha, do dedo uma raiz.
Acompanha o fel da aurora.
Com tímidos grãos de pólen.
Diante do Sol escapaste.
Para onde?

Não tens aonde ir.
Dormindo não notaste
Que tua terra é de ninguém.
Que esta soa nos vidros,
Contorna o natural,
como são desesperados os cantos noturnos,
como pesam estes momentos.
Terra de ninguém.
Soa terra!
David Bernard


Mãos frouxas

Rugas se desfazem
Num pranto perdido
Peço nesse canto, para os que pedem,
Não posso ficar sem ele.
Morrer seria olhar uma só vez,
E perdê-lo.

Encantado e contido.
Fugas, ventanias
Onde estais?

Perdoe esse meu fraco, pois só corri.
Olhando a queda, caí só.
Mas dentre tanta sujeira, te achei nós dois.
Te pus quieto entre essa carne dobrada,
Essa seca solidão, e as mãos frouxas.

Já não posso correr para sempre.
Alguma hora tenho que olhar pra trás.
Te ver quieto no meu colo
Me põe aquebrantado.
Perder-te jamais.
Para sempre ao seu lado.

Quieto com ti, sozinho.
Sozinho.
David Bernard


Melancolia e alegria

Estou com crises de melancolia e alegria.
Olho esperançoso a menina, cabelos ao vento, que passa na praia
E lembro, chorando, teu riso, tua alegria, teu cantar.
Eu olho o doce balançar da menina que passa em Copa.
Relembro, chorando, as mentiras suaves que você me pregou.
Eu sinto a mão doce da loira a me dizer palavras de amor.
Eu sinto o beijo faminto de um amor que não tenho
E relembro chorando teu beijo, tua língua.
O corpo lindo que acorda junto ao meu não me é conhecido.
A beleza estranha me enjoa, enquanto o desejo cresce no meu ventre.
Choro teu amor perdido e faço amor com uma estranha que me ama.
Luiz Bicalho


Alma

A minha alma é alegre e azul,
A minha alma vive rindo,
Mas guarda num cantinho escuro
O fogo frio do inferno.

A minha alma acaricia
E sorri ao vento suave da noite,
Mas guarda atrás de uma pedra fria
O fogo negro do inferno.

A minha alma é beijoqueira
E te abraça com muito carinho,
Mas guarda num recanto pequenino
O fogo estridente do inferno.

A minha alma gosta de carinho
E responde a cada riso com mais riso
E a cada beijo com mil beijos,
Mas guarda num armário empoeirado
O fogo ardente do inferno.

Não bata em minha alma,
Não machuque a minha alma,
Pois você pode abrir, sem querer,
As portas leves do inferno.
Luiz Bicalho