O BARBEIRO


“Escrever é muito perigoso. É preciso tomar muito cuidado com o que se escreve”.
Meu leitor talvez pense que a frase acima foi dita por um jornalista político, temeroso das consequências de suas análises, quem sabe até de um processo por calúnia ou difamação.
Indo mais longe, o leitor talvez imagine que foi pronunciada por um escritor, arrependido das inconfidências cometidas em seus livros.
Poderia também ser de um economista metido a fazer previsões sobre as finanças de um país, quase sempre contrariadas pela realidade.

E não é de se desprezar a possibilidade de ter sido dita por uma personalidade, quem sabe algum artista, contrário à publicação de biografias não autorizadas, onde nem sempre o que está escrito corresponde à imagem que tal personalidade faz de si mesma.
Mas, poderia ser também de um sociólogo que, depois de ser eleito presidente da República, sugeriu que se esquecesse tudo o que havia escrito anteriormente, pois conflitava com seus atos no exercício do cargo.
Pois é, leitor amigo, poderia ser tudo isso. Mas não foi. Quem me disse tais frases foi meu antigo barbeiro, num salão de Copacabana, enquanto cortava minhas melenas.
O fato é que o velho “fígaro”, bom conversador e melhor ouvidor, gostava de escrever “crônicas” baseadas nas histórias  que ouvia de seus clientes.
Guardava seus escritos no bolso do avental e, às vezes, dava-os para seus clientes antigos lerem. Pois não é que uma dessas “crônicas”, que contava a história de uma infidelidade feminina, caiu nas mãos de um cliente que, desconfiado da mulher, cismou que a história era a sua?
O cara interrompeu o barbear, rasgou o papel, e jogou-o na cara do barbeiro.
– E a história era mesmo a dele? – Ousei perguntar.
– Não, mas é preciso tomar muito cuidado com o que se escreve – respondeu-me ele.

Paulo Sérgio Valle