Casa de Ferreiro



Casa de ferreiro, espeto de pau!

Nestas minhas andanças pelo Brasil, excursionando com a comédia “Corra, que papai vem aí”, trabalho que está completando mil representações em cinco anos de carreira, ao descer do avião da Vasp, no aeroporto de Aracaju, saudei a noite sergipana com três formidáveis espirros.
Ao chegar no hotel, troquei o ar condicionado pela forte brisa que vinha do mar. E com a janela aberta, fui dormir. Não deu outra! Apanhei a maldita gripe que assola o Brasil. E devo lhes dizer que nunca tive uma gripe tão forte e tão sofisticada. Prova irrefutável que os vírus estão ficando cada vez mais rebeldes, em troca da estupidez do homem, que destrói o seu próprio habitat. Sendo virótica, derruba você de cara! E não adianta ter tomado vacina porque ela não respeita nada. A cabeça começa a pesar, o apetite desaparece, o que faz você ficar mais fraco ainda, e uma vontade de ficar eternamente deitado toma conta do seu corpo. Tudo dói. Do nervo mais tenro ao osso mais forte. E eu tendo que trabalhar, fazer o público rir. Na hora do espetáculo, os deuses do teatro baixam e lá vai você constatar como Deus é pai. 

As forças voltam e, entre um Targifor e outro, a comédia acontece. E o público, parecendo adivinhar a desgraceira que toma conta do comediante, se diverte como nunca! Hoje, faz vinte dias que estou com a Nicéa, nome dado à epidemia gripal, por motivos óbvios. Neste espaço de tempo, tomei de tudo. Desde antibiótico, que arrasou o meu fígado, até vitaminas de A a Z, xaropes, antiinflamatórios que estimularam a minha gastrite, obrigando-me a lançar mão de um genérico chamado Omeprazol, isto quando encontrava nas farmácias. Por ser mais barato, o remédio desaparece e o governo do Fernandinho não faz nada! Isso é outra história, embora esteja ligada à minha doença... O que sei é que, depois de ter tomado tanto remédio, fiquei intoxicado. Cheguei ao Rio e recorri à velha árvore de boldo que insisto em manter no meu jardim, antevendo sempre os pileques que, eventualmente, possam acontecer. 

Dei uma balançada no galho, caíram algumas folhas e o fígado ficou bom. Mas a tosse continua, razão pela qual fui tentar gastar alguma coisa no plano de saúde da Globo, só pra me fazer presente. Quando cheguei à sala do otorrino que escolhi, levei um susto. Uma sinfonia de espirros e tosses formava uma verdadeira orquestra. Pra não contrariar o que estava estabelecido, aos poucos, tossindo, entrei no clima. A secretária, também gripada, claro, com o nariz entupido, me chamou de Adi ao em vez de Ari. Entre um suspiro e outro, me avisou que eu tinha que pagar a consulta porque o médico que eu escolhera não trabalhava com plano de saúde nenhum. Aceitei. Peguei o recibo pra descontar no imposto de renda e me sentei para ser atendido logo após. Quando entrei na sala do médico, o ar condicionado estava desligado e o calor era grande. Estendi a mão para o médico e ele, muito gentilmente, se negou a apertá-la, enquanto colocava sobre o nariz aquela máscara habitual.
- Não aperto sua mão porque estou gripadíssimo!
Ao notar a decepção estampada em meu rosto, perguntou: - E o senhor, o que tem?
- Estou no final da gripe, doutor. Uma tosse que não passa!
- E não vai passar tão cedo! É preciso paciência. Eu já estou gripado há trinta dias. Já tomei de tudo e não adianta nada. E o senhor, o que tomou?
Acabei passando uma receita de um chá que minha avó sempre me dava. Uma mistura de manteiga, mel, alho, limão e aspirina. Ele anotou e perguntou se eram duas ou mais cabeças de alho? E prometeu que ia fazer o chá e tomar antes de dormir.
Saí do consultório com a receita de um outro xarope, o recibo da consulta, tossindo!
Já no elevador, enquanto descia, lembrei-me de outros atendimentos que tive. Certa vez, um cachorro me mordeu a mão e quase me arrancou um dedo. Fui ao Miguel Couto, sendo atendido por um jovem que, logo ao me ver, disse que eu era o seu primeiro cliente. Quando viu a minha mão sangrando, desmaiou. Eu tive que dar éter pra ele cheirar. Outra vez, no consultório dentário. Fui arrancar um dente e meu dentista estava com o rosto em petição de miséria. Um lado estava tão inchado que a boca tinha ido parar na orelha. Lembrei-me também do atendimento que outro médico fazia num ambulatório: engessava a perna de um infeliz, com um braço na tipóia. Ninguém é super-homem. Somos todos iguais na alegria e na dor.
O elevador chegou ao térreo e o Sol queimou meu rosto, antecipando o verão que iremos ter. Se Deus quiser, a epidemia estará longe, exportada para o inverno dos Estados Unidos! E entre uma onda e outra, a grande felicidade de estar com saúde!