COMO ELIMINAR A DENGUE SEM MATAR NENHUM MOSQUITO
A história recente do homem é uma sucessão de eventos contraditórios, muitas vezes dilacerantes entre si. A obra magnífica de Silvio Tendler, Utopia e barbárie, mostra um painel amplo, mundial e surpreendente desta realidade. Nela podemos ver a bipolaridade entre movimentos de natureza evolutiva e movimentos opostos de morte e trevas, sempre se alternando na superfície do planeta. Holocaustos, ditaduras, inquisições e massacres devastam ideias, pioneirismos, iniciativas e libertações. De um lado, a face natural do homem que é a evolução, a formação de redes, a caminhada da espécie como grupo de expressão amorosa e expansão da consciência. Do outro, os interesses escusos, os cartéis, as corporações, os lobbies e os grupos geopolíticos.
No entanto, esta característica ciclotímica da caminhada do homem também se estende à ciência, ao saber como um todo, às práticas educativas. Um saber renovado, evoluído e complementar pode ser rejeitado durante décadas ou mesmo séculos por amplos setores do mundo acadêmico, embora plenamente embasado e estudado de forma científica, apenas porque não atende ao interesse das corporações instaladas nas cátedras universitárias. Estes senhores feudais mantêm, a ferro e fogo, as grades curriculares. Suas teorias obsoletas e que não mais se explicam continuam a ser veiculadas apenas porque atendem a grupos de interesse financeiro.
Assim é com a Teoria do Germe, que tem sua razão de ser, pois é postulada por um laureado da medicina, Louis Pasteur. A teoria do germe dá lastro a praticamente toda a prática alopática por nós conhecida. Para uma bactéria, um antibiótico; para doenças da falta de saneamento, vacinas; para a inflamação, o anti-inflamatório; para a depressão o antidepressivo, para a hipertensão, o anti-hipertensivo. Somos hoje um mundo onde o reducionismo dá as cartas.
Na falta de modelos mais amplos e explicativos, na falta de suporte financeiro e trabalhos científicos que corroborem a verdade das coisas, as teorias holísticas que consideram as manifestações nosológicas como parte de um sistema em desequilíbrio perdem em credibilidade. Mas isso não tem problema para as grandes corporações. Quanto mais tempo demorem as teorias holísticas a serem comprovadas, mais tempo estaremos pagando em royalties para as corporações que lucram da doença e do modelo reducionista.
Na mesma época em que Pasteur colheu seu Nobel em Medicina, Antoine Bechamp e Claude Bernard, seus opositores científicos, formulavam a Teoria do Terreno Biológico. Bem estruturada, comprovada por estes dois expoentes da Medicina e da Fisiologia, a Teoria do Terreno Biológico foi derrotada e ainda não é aceita pela comunidade acadêmica.
Claude Bernard ainda é o nome-chave em qualquer livro de fisiologia recente, pois postula a teoria da homeostasia. Sendo assim, a proposta do terreno biológico é apenas o princípio homeostático aplicado à microbiologia. Curiosamente, a medicina contemporânea aceita a teoria homeostática para desequilíbrio do pH, da temperatura, do sistema hídrico, do sistema nervoso autônomo e quase todo os sistemas oponentes do corpo, mas não dá crédito à mesma teoria quando aplicada aos micróbios.
Mas, afinal de contas: é a poça que fabrica o mosquito ou é o mosquito que fabrica a poça?
Em saúde pública não se poderia pensar diferente. O mosquito da dengue existe há milhões de anos, como todos os outros mosquitos. Eles só fazem o estrago que fazem porque nosso sistema aglomera população em crescimento desordenado, alterando os biomas terrestre, aquático, aéreo e florestal. Nenhuma política pública, até hoje, abordou o sistema urbano como um sistema biológico. Se assim fosse, além de não termos dengue, não teríamos também verminoses, tétano, difteria e quaisquer outras doenças originadas de miséria, roedores ou insetos. Os riachos estão podres. E ainda temos os lixões!
O Brasil tirou 25 milhões da pobreza nos últimos 12 anos e se apresenta na intenção de eliminar a miséria. Mas enquanto não adequar o padrão desenvolvimentista ao biológico, continuaremos a ter cidadãos com celulares, televisões e parabólicas... e contraindo dengue.
Aliás... em seus momentos finais de vida, Louis Pasteur tomou a mão de um de seus assistentes e disse: a teoria do germe não é a correta, mas sim a teoria do terreno biológico.