Andar de avião, para muitos, é um martírio. Eu, há pouco tempo, achei uma forma prazerosa de viajar, ou seja, me energizo positivamente e entrego pra Deus!
Porém, pra mim, as coisas começam a ficar confusas, quando energias negativas tomam conta dos colegas de viagem. O último vôo da Vasp que vinha do Sul estava lotado e teve problemas de manutenção, razão pela qual, já dentro da sala de embarque, todos ouvimos a voz da encarregada falando do atraso de meia hora para a partida. Neste exato momento, o cavalheiro que estava sentado no meu lado se levantou, deixou a bagagem de mão na poltrona, foi olhar pela parede de vidro que separava a pista da sala e voltou com a novidade: â?? Está saindo fumaça da turbina, que não quer girar. O que você acha?
Bem, eu acho que logo isto estará sanado.
Duvido, disse ele.
Na verdade, é melhor que aconteça isso aqui embaixo do que lá em cima, não é?
Ele só me olhou, puxou um lenço e começou a limpar o rosto já banhado de suor.
Finalmente, solucionado o problema, estamos acomodados dentro do avião, prontos para decolar. Consegui um corredor. No assento do centro, uma senhora toda de preto, com um crucifixo na mão, rezava baixinho. Junto à janela um padre olhava a paisagem, como se estivesse se despedindo.
Abri minha revista e comecei a ler. Enquanto o avião taxiava para alcançar a pista destinada à decolagem, as comissárias começaram com os procedimentos em casos emergenciais. Indicaram as instruções colocadas atrás dos bancos, recomendaram a leitura. A senhora ao lado se atrapalhou com o crucifixo e começou a ler o manual de cabeça pra baixo. Estava nervosa. Derrubou no chão o manual e soltou um ai. A cada frase que a comissária dizia, ela soltava ais, cada vez mais altos. Quando falaram nas máscaras que, em caso de despressurização, cairiam automaticamente do teto, ela olhou pra cima e perguntou:
De onde?
E soltou um grito quando o padre explicou. Aí, eu pensei: Este vôo não agüenta uma turbulência! A aeronave decolou. Após atingir a altura almejada, o aparelho que subia inclinado, ficou na horizontal. Do meu lado veio um?Graças a Deus!
E soltou um grito quando o padre explicou. Aí, eu pensei: Este vôo não agüenta uma turbulência! A aeronave decolou. Após atingir a altura almejada, o aparelho que subia inclinado, ficou na horizontal. Do meu lado veio um?Graças a Deus!
E o padre:
Para sempre seja louvado! E fez o sinal da cruz.
Foi quando ela me perguntou: O senhor viaja sempre?
Respondi que sim. E ela: Não tem medo, não?
Respondi que sim. Mas não pensava nisso.
Foi quando ela despejou sobre mim uma enxurrada de argumentos para me convencer a repensar minha atitude. Falou que não viajava com a TAM; que preferia a Varig, por ter a melhor manutenção; que a Transbrasil estava quebrada e que só viajava pela Vasp porque estava "dura". E várias histórias sobre desastres aéreos no Brasil, no Japão, na Malásia; era uma enciclopédia aeronáutica a mulher gorda vestida de negro. Nessas alturas, o padre já se animava e sugeria que antes de cada vôo as pessoas deveriam ser benzidas. Formar-se-ia uma corrente positiva nas dependências da aeronave. Parece que Deus não gostou muito da idéia. Tanto que, naquele momento, ouviu-se a voz do comandante que alertava sobre a conveniência de apertar os cintos, já que teríamos uma zona de turbulência à vista.
Mas apertar o que?, disse a senhora;
Foi quando ela me perguntou: O senhor viaja sempre?
Respondi que sim. E ela: Não tem medo, não?
Respondi que sim. Mas não pensava nisso.
Foi quando ela despejou sobre mim uma enxurrada de argumentos para me convencer a repensar minha atitude. Falou que não viajava com a TAM; que preferia a Varig, por ter a melhor manutenção; que a Transbrasil estava quebrada e que só viajava pela Vasp porque estava "dura". E várias histórias sobre desastres aéreos no Brasil, no Japão, na Malásia; era uma enciclopédia aeronáutica a mulher gorda vestida de negro. Nessas alturas, o padre já se animava e sugeria que antes de cada vôo as pessoas deveriam ser benzidas. Formar-se-ia uma corrente positiva nas dependências da aeronave. Parece que Deus não gostou muito da idéia. Tanto que, naquele momento, ouviu-se a voz do comandante que alertava sobre a conveniência de apertar os cintos, já que teríamos uma zona de turbulência à vista.
Mas apertar o que?, disse a senhora;
Eu já apertei tudo o que podia!
Só sei que o avião começou a sacolejar. Subia, descia; descia, subia! E a reza comendo solta, agora engrossada pelo padre e por outras pessoas circunvizinhas. O que o padre dizia, ela repetia. E me cutucava para que eu deixasse de ser herege. Como não sou bom de oração, fingi que repetia. Aí, minha cabeça girou. E se o que estou fazendo for considerado uma heresia? De repente, a calmaria. Vencemos a zona de turbulência. Sorrisos e alívios. Lá vêm as comissárias servir o lanche. Neste momento, foi a vez de São Pedro. Tempestade de verão quase perto de Angra. O suco voava, as luzes piscavam e a chuva caía
Graças a Deus? ecoaram. Estava próxima a cidade maravilhosa. Descida. Aplausos para o pouso perfeito.Sorrisos dos que chegaram sãos e salvos. E a costumeira pressa para sair do avião.
Aliás, são dois momentos de pressa ? na entrada e na saída! Todos em direção da esteira de bagagens. A senhora de preto e o padre já estavam lá esperando. Peguei um carrinho e fui para o lado oposto a eles. Já dentro do táxi, ao sair, ouvi uma voz. Era o padre se despedindo da senhora de preto: Glória a Deus nas alturas!
Pensei comigo: "nas alturas e aqui embaixo também!".
Ary Fontoura