Viajar é bom. De férias, melhor ainda. Voltar é melhor. Rever a casa, os
lugares por nós conhecidos, os amigos, o Brasil, o Rio de janeiro. Ah, por mais
que você viaje, vai ser difícil encontrar lugares iguais ao Brasil e ao Rio... E
veja, apesar de todos os maus tratos, dos desgovernos, da pobreza, não há povo
igual como o brasileiro. Não que lá fora deixem de existir pessoas legais.
Existem sim! Mas... o brasileiro é o brasileiro! Nós arrasamos!!! Cheguei a
Lisboa, primeira parada, para depois seguir para Londres e, finalmente, antes
de voltar, Paris. Em Lisboa, encontrei a hospitalidade tradicional, ligada a
uma capital que se moderniza dia a dia, com uma noite maravilhosa e inúmeros
lugares para ir. Os portugueses, alegres e hospitaleiros, não deixam por menos
e aproveitam essa nova fase pós-mercado comum europeu.
Saí a passear,
acompanhado de amigos e, em especial, de um brasileiro profundamente católico
que deve ter feito, segundo meus cálculos, uns trinta sinais da cruz, diante de
cada igreja que passávamos e entrávamos. Foi numa delas que começou o meu carma de viagem. Devo confessar que não tenho uma definição
religiosa. Sou muito critico com relação a todas elas e só me lembro de Deus
quando a coisa está apertando pro meu lado. Mesmo assim, como bom cristão,
acompanhei este amigo numa de nossas andanças. Às onze e meia da noite,
entramos numa igreja lá pros lados do Chiado. Para quem não conhece, devo dizer
que para se chegar lá a pé, como nós fomos, é um estirão, como diria um bom
mineiro. Mas tudo bem! Eu, imbuído de religiosidade, dizia para meus pés, com
certeza futuramente calejados, que o sacrifício valeria a pena. Portanto, rumo
a desbravar a ladeira. Finalmente, a igreja apontou na nossa frente, toda
iluminada. Um "graças a Deus chegamos”, imperceptível, para que o colega
nem ouvisse, foi balbuciado por mim. Eu estava cansado e fiquei num dos últimos
bancos da nave enquanto o meu amigo se aboletava quase junto do altar. Ele
queria ver tudo de perto!
Não sei por que, minha cabeça balançou. De sono, talvez! Ai, então,
encostei-a na parte alta do banco. Por trás de mim, vinda das trevas, uma beata
que tomava conta da igreja, com um crucifixo preto e enorme na mão, uma arma,
na verdade, deu um berro junto aos meus ouvidos pra neguinho nenhum botar
defeito, dizendo que ali era a casa de Deus e não um albergue. Quando ela
gritou, eu me voltei subitamente. Foi quando a porca torceu o rabo... Um
torcicolo do bom, que até agora, meses passados, ainda me persegue, se instalou
em mim. Com a beata vociferando impropérios, tratei de sair depressa da igreja
antes que as outras pessoas que lá estavam se voltassem e me descobrissem,
reconhecendo-me, visto que as novelas da Globo passam por lá e eu sou figurinha
fácil... Aquela beata histérica só não teve a mãe dela ofendida dentro da
própria igreja, porque, nas minhas visões, pareceu-me ter visto o Cristo se
despregar da cruz, colocar o dedo sobre os lábios, em sinal de silêncio. Aquele
crucifixo em riste, aquela beata berrando, a ressonância do templo, o Cristo
pedindo silêncio e a minha saída intempestiva, condenavam-me, para sempre, a
não ser um cristão praticante. Mas eu sou useiro e vezeiro em experiências assim. Certa vez, no Maracanã, eu fui
ver como era aquela reunião dos adeptos da Igreja Universal do Reino de Deus.
Quando o bispo Macedo, do tablado armado no campo, pedia que as pessoas se
desfizessem e jogassem para fora o que lhes estava incomodando, parecia que eu
era o alvo. O que recebi de óculos em cima de mim dava pra abrir umas três
óticas.
Além de outros objetos tais como calcinhas, sutiãs, cuecas, enfim, tudo
o que incomodava aos fiéis. Se os candidatos a crentes são recebidos assim,
imagina depois, pensei eu. E imagine, caro leitor, que eu já havia programado
uma visita à Testemunhas de Jeová. Estava muito interessado na cerimônia do
batismo. Daí, pensei: – Há males que vêm para o bem! Já imaginaram o que
poderia me acontecer na hora do batizado? Nu, dentro de algum rio, o que iria
sobrar de mim? Hoje, quando faço massagens com o poderoso e eficiente Roberto
Samico, ao virar o pescoço para mudar de posição, eu vejo como é melhor
continuar acreditando em energia positiva e negativa, metáforas do bem e do mal
e seguir em frente. Afinal, pra que mexer em time que está ganhando? Mesmo
assim, com o corpo todo torto, achei Lisboa um luxo. E Londres! E Paris, final
da viagem, onde, mais torto do que nunca, eu prestei uma homenagem ao
legendário corcunda Quasímodo, quando fui à Notre Dame. E fiquei curioso em
saber se a corcunda era de nascença ou se foi alguma beata que lhe tacou um
crucifixo. Nenhum francês quis me explicar. Ou porque não sabiam ou porque o
humor deles é péssimo!