Carvalho Hosken: Entrevista com Dr. Carlos Carvalho

O FUTURO É AQUI
A arquitetura inovadora da Barra, celeiro de novos empreendimentos, inspira toda a cidade   

Se os nomes americanizados da Barra podem levar a crer que no bairro imperam réplicas de obras da terra do Tio Sam, os grandiosos mostram que, em matéria de design, o bairro é cosmopolita, um celeiro de projetos ousados, inspirados no que está em voga em diferentes partes do mundo. São exemplos a ponte estaiada da Linha 4 do Metrô (Ipanema - Barra da Tijuca), ideia do arquiteto espanhol Santiago Calatrava; e a Cidade das Artes, criada pelo francês Christian Portzamparc e inspirada em outros trabalhos assinados por ele, como Cidade da Música, em Paris, e o Museu Hergé, na Bélgica.

- A arquitetura feita aqui é para gerar provocação, uma novidade máxima com destaque na paisagem, como o arquiteto Lelé (João Filgueiras Lima) fez no (hospital) Sarah e o Christian de Portzamparc, na Cidade das Arte. Na tentativa de inovar, temos bons exemplos como Sheraton Barra, o O2 e o Centro Empresarial Mário Henrique Simonsen - atesta Celso Royal, membro do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e professor de Arquitetura da PUC-Rio.
Para o arquiteto, amplas áreas externas, comuns na região, muitas vezes definem como será um projeto:
- Elas tanto fazem parte do projeto como do próprio empreendimento, nada é construído na Barra sem generosidade de vista ou sem a preocupação com a natureza. A arquitetura é muito forte aqui, porque, onde há competição entre construtoras, a criatividade não tem limite.

O GLOBO-Barra visitou empreendimentos inovadores, que favorecem o principal objetivo do urbanista Lucio Costa ao traçar as linhas do bairro: proporcionar qualidade de vida. E nem só os empreendimento grandiosos das construtoras, como o Centro Metropolitano, revelam o que está por vir em termos de arquitetura urbana: shoppings e obras públicas, como o metrô, também trazem ideias modernas, que poderão ser copiadas em outras áreas da cidade.
Inspirações de Abu Dhabi a Nova York

Nas novas propostas das construtoras destacam-se referências ao que há de mais moderno na arquitetura mundial. Vide o exemplo do CasaShopping, que, em julho, inicia mais uma expansão. A estrela da nova área é uma cobertura de vidro idealizado pelo arquiteto israelense Nir Sirvan, batizada como Carioca Wave. A construção está a cargo da Seele, que assina o projeto da famosa caixa de Vidro da Matriz da Apple em Nova York.

Já a Calper lançou, no Recreio, um residencial com fachada ondulada, que será entregue em 2015 e, segundo a construtora, procura remeter às edificações de Abu Dhabi e Dubai, riquíssimas cidades dos Emirados Árabes, onde se destacam recursos tecnológicos e artes futuristas. Os legados urbanísticos de Gaudí em Barcelona e dos Jogos Olímpicos da Inglaterra também foram referências no projeto.
Outro exemplo de arquitetura contemporânea é o prédio do hospital MDX Medical Center, que, segundo o autor do projeto, o arquiteto baiano Ivan Smarcevscki, "está em concordância com a paisagem urbana da Avenida das Américas e com seu partido horizontalizado, valorizado por uma cortina de vidro entremeada por uma estrutura leve e delgada, em conjunto com a escultura metálica junto à entrada principal".

Mais novo shopping center do bairro, o Village Mall apostou noutra tendência mundial, a de ser tão sustentável quanto possível, e aproveita a luz do Sol.

- A luz natural nas áreas internas reforça a ligação com a natureza. Se a vista é generosa, a paisagem deslumbrante do entorno, como a Lagoa da Tijuca, a Pedra da Gávea e as outras montanhas do entorno, não poderia ser negligenciada - explica Antônio Paulo Cordeiro, um dos arquitetos responsáveis pela concepção do shopping.

Uma forte característica dos empreendimentos da região é o investimento na multifuncionalidade, o que acaba influenciando, naturalmente, sua concepção arquitetônica. É o caso do recém-lançado centro comercial da SIG, o Uptown, na Avenida Ayrton Senna, que tem mais de 600 unidades. Ao longo do tempo, em quase todos os condomínios e complexos da Barra foram criadas soluções para melhorar a dinâmica da rotina. O condomínio Santa Mônica (um dos mais antigos), por exemplo, tem formato circular que favorece a circulação em sua generosa área de lazer, que mais parece um clube, com tudo o que se pode imaginar - oberva Celso Rayol, do IAB.

ENTREVISTA DR. CARLOS CARVALHO:

SORRIA: VOCÊ ESTÁ NA BARRA
'O bairro é o Centro do Rio'

Para Carlos Carvalho, o projeto urbanístico ajudou a transformar a região no futuro da cidade.
Todas as conversas de Carlos Carvalho terminam no Centro Metropolitano. O atual projeto de sua construtora, a Carvalho Hosken, tornou-se uma obsessão na vida do empresário de 88 anos - 38 deles dedicados exclusivamente à Barra. Foi em 1975 que Carvalho fechou todos os escritórios que tinha pelo país para atuar no local pelo qual é apaixonado e chama carinhosamente de "cidade nova". Uma provocação direta ao Centro e à Zona Sul, sempre citados pelo empresário como "o lado de lá", "cidade velha" ou "centro histórico". É isso mesmo. Carlos Carvalho quer transformar 1,4 milhão de metros quadrados do terreno na Avenida Abelardo Bueno no novo centro geográfico do Rio, como sonhou Lucio Costa. E, para completar a missão, não encontra sucessor. Por isso, não deixa de bater ponto, todos os dias, às 8h, em seu escritório decorado com inúmeras obras de arte.

•Na rua opinião, o que marca a ocupação da Barra?
R. O primeiro fato marcante foi a Cidade de Deus, quando o Carlos Lacerda fez o primeiro conjunto de casas sociais. Era até um programa muito bem-feito, mas estava distante dos centros de trabalho, sem integração entre a comunidade e as conveniências devidas, o direito ao lazer, ao trabalho, acesso ao transporte.

•E o erro se repetiu?
R. Depois a cidade teve uma sucessão de erros urbanísticos. Em todos os lugares onde foram criadas comunidades expressivas não houve visão urbanística para integrar moradia com lazer e trabalho. Isso levou uma série de problemas na nossa cidade antiga, e nós pagamos caro até hoje. O grande problema do Centro é que ele acabou tendo uma concepção que hoje está atrasada: lá, só se trabalha. Há uma fortuna investida lá, mas ele funciona apenas até uma certa hora. Com isso, você passa a ter dificuldades, por exemplo, de acessá-lo. Não há equilíbrio.

•Por isso seu apoio à ideia de um novo centro do Rio?
R. A gente passou a ter uma cidade antiga agradável, mas com um conceito urbanístico pobre. O Centro antigo não é centro; é ponta. O Rio tem sorte, porque a Barra, a parte mais importante, em termos geográficos e de conforto urbano, que é uma réplica da Zona Sul e da cidade antiga, está se desenvolvendo. É uma região que tem cinco vezes a área de toda a Zona Sul. Será o centro mais elitizado do mundo, com avenidas de até cem metros de largura, enquanto a Rio Branco tem 30 metros.

•Como vai ser o Centro Metropolitano?
R. Vai ter tudo. Hospital, escola, centros comerciais, escritórios, moradias. O Rio tem tudo para ser uma cidade modelo. O destino do outro lado é ser o centro histórico. Ele já está bem visível, já está surgindo. O governo dificilmente virá. Mas ali será o centro geográfico da região metropolitana.

•Como o senhor vê o urbanismo na Barra?
R. O poder público induz as diretrizes de ocupação urbana. Quando ele se coloca mal ou é omisso, as coisas começam a apresentar defeitos, porque aí depende muito de cada proprietário, que vai fazendo como lhe convém, e não como convém a cidade. Aqui na Barra, não. A coisa ficou definida de um jeito que o que está feito é o que convém à cidade. A área é privilegiada. Aqui só faltam mobilidade e acessibilidade. Houve erros urbanísticos graves, mas felizmente têm conserto. Só estamos atrasados. Não tínhamos mobilidade urbana porque estávamos engarrafados, nem acessibilidade porque estávamos isolados. Agora temos a acessibilidade. Em que isso vai se traduzir? Num problema para nossa mobilidade. Então, ou as nossas autoridades vão perceber que é preciso criar mobilidade aqui, distribuir o tráfego de maneira ordenada, ou isso vai virar São Paulo. Vai chegar muita gente. O governo precisa criar uma comissão especial para cuidar da Barra, que é uma joia valiosa e precisa ser protegida.

•Sugere alguma medida imediata?
R. Se não se aplicar os limites e regulamentos corretos, as vias podem se transformar em problemas. A Avenida do Canal, por exemplo, foi interrompida em alguns trechos porque um condomínio avançou sobre o terreno.

•O poder público está ausente?
R. As lagoas vão ser saneadas. O esgoto está sendo canalizado para o emissário. Então, não tem havido ausência; ao contrário. A Barra está sendo privilegiada pela ação do poder público e a atitude de seus empresários.

•Essa atuação vai aumentar, agora que a Barra é a menina dos olhos do Rio?
R. Ouço isso com alegria, porque tem gente do lado de lá, da cidade antiga, para quem a Barra não existe.

•O senhor acha que o desenvolvimento da Barra vai se acelerar?
R. É a única alternativa para a cidade crescer. É onde dá para fazer isso de forma ordenada e aonde a população quer ir. As olimpíadas serão um grande legado. Por um lado, essa vai ser a salvação da Barra. Por outro, pode ser Waterloo. Porque é um lugar todo elitizado, mas, se você não conseguir andar pelo sistema viário vicinal, estará perdido. Hoje, se você entrar na Salvador Allende para pegar a Ayrton Senna, pode demorar duas, três horas, caso haja um acidente. E quem está cuidando disso? Ninguém. Algumas coisas estão melhorando; vamos ver. A Barra tem tudo para bombar.

Reproduzido do Jornal GLOBO-Barra do dia 7 de março de 2013.