PALAVRAS DA CÚPULA



O Brasil está passando por um momento histórico, resultante da mobilização inesperada da população jovem, que, finalmente, reagiu aos diversos desmandos praticados por grande parte de políticos oportunistas que se instalaram no poder. Foi como se o povo acordasse de um longo sono e vislumbrasse que, do jeito que as coisas estavam sendo feitas, um futuro sombrio se aproximava perigosamente. A movimentação e a repressão por vezes demasiada por parte da Polícia, nos remeteu aos tempos de revoltas que ocorreram durante a ditadura militar. Os mais idosos, que viveram aquela época, ainda sentem arrepios ao ver ações semelhantes na revolta das ruas. Mas os tempos mudaram. Hoje, bem ou mal, estamos numa democracia. No passado, intelectuais e artistas, com suas canções, ditas “de protesto”, procuravam conscientizar as pessoas, embora tivessem de usar, muitas vezes, uma linguagem metafórica, a fim de enganar a severa censura que abrangia todos os meios de comunicação. A música popular brasileira dá bem uma amostra do que foi o período ditatorial em nosso país e, em tempos mais recentes, ainda possui elementos que retratam nosso cotidiano, expressando a revolta e a insatisfação do povo brasileiro.
Gonzaguinha nos brindou com o que pode ser hoje a síntese do pensamento brasileiro, em E vamos à luta (1980): Eu acredito é na rapaziada / Que segue em frente e segura o rojão / Eu ponho fé é na fé da moçada / Que não foge da fera e enfrenta o leão / Eu vou à luta com essa juventude / Que não corre da raia a troco de nada / Eu vou no bloco dessa mocidade / Que não tá na saudade e constrói / A manhã desejada.

Geraldo Vandré, em 1968, fez um verdadeiro hino para os cidadãos que lutavam pela abertura política, Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores: Pelos campos há fome em grandes plantações / Pelas ruas marchando indecisos cordões / Ainda fazem da flor seu mais forte refrão / e acreditam nas flores vencendo o canhão. / Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. A música fazia, ainda, fortes provocações ao Exército: Há soldados armados / Amados ou não / Quase todos perdidos / De armas na mão / Nos quartéis lhes ensinam / Uma antiga lição: De morrer pela pátria / E viver sem razão.
Caetano Velozo lançou, em 1967, a música Alegria, Alegria, em que  valorizava a ironia, a rebeldia e o anarquismo a partir de fragmentos do dia a dia: O sol se reparte em crimes / Espaçonaves, guerrilhas / Em cardinales bonitas/Eu vou…

Com Cálice, que tem a mesma pronúncia de “Cale-se”, Chico Buarque, em 1973, faz alusão à oração de Jesus Cristo dirigida a Deus no Jardim do Getsêmane: “Pai, afasta de mim este cálice”: De muito gorda a porca já não anda (Cálice!) / De muito usada a faca já não corta / Como é difícil, Pai, abrir a porta (Cálice!) / Essa palavra presa na garganta.
Aldir Blanc e João Bosco deram sua contribuição com O bêbado e o equilibrista, que representava o pedido da população pela anistia ampla, geral e irrestrita. Em um trecho, fala sobre o irmão do Henfil, Betinho, e o choro de Marias e Clarisses, em alusão às esposas do operário Manuel Fiel Filho e do jornalista Vladimir Herzog, assassinados: Que sonha / com a volta / Do irmão do Henfil / Com tanta gente que partiu / Num rabo de foguete / Chora! A nossa Pátria Mãe gentil / Choram Marias e Clarisses / No solo do Brasil…
Merece menção, também, a música do Legião Urbana, Que país é esse?:  Nas favelas, no senado, sujeira pra todo lado / Ninguém respeita a constituição / Mas todos acreditam no futuro da nação. Que país é esse?
Uma crítica social está presente em Acender as velas, lançada por Zé Keti, em 1965, referindo-se às favelas: Acender as velas / Já é profissão / Quando não tem samba / Tem desilusão.
Assim, diversos episódios de nossa história foram e vão sendo registrados através da música. Só não podemos voltar aos tempos do APESAR DE VOCÊ: Hoje você é quem manda, falou tá falado não tem discussão...
Unidos, vamos transformar o Brasil em um país melhor.