EXISTÊNCIA
Quando a conheci, ela era católica praticante. Ia à missa todos os domingos, confessava-se e comungava. Depois, afastou-se da igreja católica, tornou-se evangélica – o que não durou muito –, passou a frequentar centros espíritas e a estudar a filosofia budista. Abandonou tudo.
Loura, olhos castanhos, corpo bem feito, a moça parecia ter se desinteressado da própria beleza. Vestia roupas sóbrias e amarrava os cabelos displicentemente, com uma fita na nuca.
Aos que, ainda assim, a cobiçavam, lançava um olhar longínquo e desencorajador.
Tirou os espelhos da casa, deixando apenas um, pequeno, para seus cuidados matinais.
Olhava constantemente para o céu e, à noite, deitava-se na varanda para observar as estrelas.
Tornou-se frequentadora do Jardim Botânico, onde permanecia longo tempo observando as plantas e os pássaros. Aos sábados, ia ao Planetário, para deleitar-se com a contemplação dos astros e planetas.
Preocupado com o comportamento da minha amiga, atrevi-me a perguntar-lhe o que estava acontecendo.
– Tento não existir – foi sua seca resposta.
– Como não existir? – insisti.
– Quero ver o mundo sem minha presença. Só assim saberei como é o mundo de verdade, sem minha intermediação.
Pensei em obstar a impossibilidade de saber ou conhecer qualquer coisa sem o próprio testemunho, de como estar ausente e presente ao mesmo tempo, mas ela foi peremptória:
– Quero ver a obra de Deus como ela é, não através do meu olhar. Para isso, deixo de existir.
Minha amiga deu-me as costas e foi embora.
Faltou-me coragem de lhe dizer que ela também era obra de Deus.
Paulo Sérgio Valle