Dia
4 de outubro de 2013, dia de São Francisco, noite fresca de primavera no Rio de
Janeiro. Aniversário de Mariah, minha filha. Meu celular toca, eu com muitos
afazeres e, é lógico, atenção total para a cria. Do outro lado, minha amiga Graça
dos Prazeres, descendente direta de Heitor, magoada comigo: "Como você vem
ao Rio e não arruma um tempo pra visitar meu cantinho aqui no Vidigal?"
"Queremos que apoie o que estamos fazendo aqui!". Eu, constrangido, o
tempo sempre escasso, olhando o relógio e concluindo que não dava mesmo.
"Graça, não vai dar". Do outro lado, um silêncio, como se ouvisse uma
lágrima correndo. Desliguei o telefone triste. Daí me dirigi ao jantar com as
colegas do colégio de minha filha e fiquei conversando com a família, até que,
enfim, fiquei livre às 9 horas da noite.
Decidi:
vou subir a Niemeyer e o Vidigal. "Graça, eu vou, me espere lá na pracinha
da entrada". Cheguei e fomos subindo, subindo. Quando pensava que ia
acabar, subindo mais ainda. Desci do carro já lendo o letreiro "Parque
Ecológico do Vidigal", daí já fiquei entusiasmado. Fui descendo na direção
do parque, passo após passo, pisando em pneus velhos recheados de terra e
brita, que formavam uma original e eficiente escada. Reciclagem aliada à criatividade
das comunidades brasileiras que Darcy Ribeiro tão bem descreve em seu livro 'O
Povo Brasileiro'.
Graça
é uma menina grande, fez questão de fechar meus olhos enquanto eu descia os
últimos degraus. Ao abri-los, deparei-me com uma cena que justificava a sua
decepção, quando supôs que eu não poderia ir. Paredes e mais paredes, vasos no
chão, pneus, níveis e desníveis repletos de grama de trigo, verdinha, fresca,
tenra, energética, VIVA, toda plantada por ela. Não posso descrever o que
senti, mas dei as mãos para ela e para a Gorete, que nos acompanhava, e disse:
"Eis aqui uma mostra de que o Mestre está presente e vem a manifestar-se
em nossos tempos.". "Este trabalho justifica e estimula tudo o que já
pude ter feito até hoje.".
Logo,
chega o Mauro, o verdadeiro jardineiro daquele Éden suburbano. Dentro de sua
casinha ao lado, uma bateria. É músico, é ativista cultural, é mais um
brasileiro que, em silêncio, atua pela modificação do planeta. Mesinhas de
jardim feitas com aros de bicicleta e materiais reciclados, ele conta que ali
era o lixão do Vidigal, cheio de todas as sobras da cultura da morte, lixo de
indústria, dejetos de guerra, sobras de comida junk, depósito de
cadáveres do tráfico. Dor, sofrimento e morte ainda ecoavam no meio das trevas
que nos envolviam, mas no céu brilhava, eterna, a estrela do Norte, bem sobre o
cume de uma árvore altaneira que ornava o frondoso pátio vivo. Lá estava eu, em
pleno Shabbat, olhando a estrela e para dentro do meu coração. Plenos de
gratidão e amor pela vida, ali cantamos e oramos por um mundo melhor.
De
madrugada, teria que decolar rumo a Vitória do Espírito Santo, cumprindo a
apertada agenda. Como uma dádiva, Graça me ofereceu um colchão, que foi
colocado com lençóis e edredon sobre a laje da casa que vem a alugar e entulhada
pela mudança. Deitado nesta fresca noite em um telhado do Vidigal, ouvindo os
sons da comunidade, do mar e com a mais linda vista do Rio de Janeiro, disse a
mim mesmo: "Meu Rio de Janeiro continua lindo", "Meu Rio de
Janeiro está se transformando". A vida está ocupando o lugar da morte, e
eu faço parte desse movimento. Meu Rio que eu amo está aqui, perto de mim,
sempre esteve, e agora chegou a hora. O modelo biogênico vai começar no
Vidigal. Eu dei cem reais pra Graça usar ali mesmo. E você? Com quanto vai
contribuir para que a cultura da vida vença a morte?
Mande
um e-mail pra gente, vamos começar agora mesmo; aliás, muito já foi feito por
estes próceres. Vamos continuar este trabalho divino!