O trabalho naquele
dia tinha sido intenso. Chefe no pé o expediente inteiro, o feijão da marmita
azedou, o ar-condicionado da sala estava pifado, entre outros imprevistos. Era
tamanha a vontade de ir embora, tomar um banho, comer algo, cair no sofá pra
curtir a novela, e dormir, para que o amaldiçoado dia terminasse logo.
Dezessete e trinta,
bati o cartão e corri do jeito que estava para o ponto de ônibus. Por sorte,
veio rápido e não estava lotado, mas, por outro lado, nada de lugar para sentar.
Entrei, paguei a passagem, encostei-me no ferro e parti rumo ao lar.
Ao chegar à Avenida
das Américas, precisamente na Alvorada, subiu uma garota, que logo me chamou a
atenção. Uma bela moça. Bem-vestida, cabelos longos e pretos, olhar atento, um
sorriso atraente, e uma aparente simpatia, que percebi no pequeno diálogo que
teve com a cobradora. Após passar pela roleta, parou, também em pé, a
aproximadamente uns três metros de mim, próximo à porta de desembarque. Como o
dia não estava dos melhores, evitei ficar olhando, pois, para completar, só
faltava ganhar um fora de alguém.
Entretanto, percebi
uma coisa que me deixou meio inquieto: ela me olhava de uma forma sutil, que
começava pelo meu rosto e vinha descendo discretamente, até voltar o olhar para
o outro lado. E essa sequência se repetia por várias vezes. Eu estava ficando
sem graça e, de certa forma, sem acreditar que aquela princesa estaria
flertando comigo. Olhei para trás, e não havia ninguém. Concluí que realmente
era pra mim. Sendo assim, resolvi retribuir. A cada olhar dela, eu devolvia um
sorriso, e ela virava com outro de canto de boca. E essa interação foi
acontecendo de maneira que ia me encorajando para alguma reação mais ativa. Foi
quando pensei em chegar mais perto e tomar alguma iniciativa. E assim resolvi
fazer.
Já próximo ao Barra
World, busquei todas as minhas forças e decidi me aproximar da moça. As pernas
tremiam, o coração estava quase pulando pela boca, o suor escorrendo em todas
as partes do corpo. Precisava de mais uma olhada, só mais uma. E ela se virou
para mim, mirou meu rosto, desceu o olhar lentamente até o meu peito, e voltou
o rosto para frente. Pronto! Era o que precisava. Subitamente, parti em direção
a ela e falei:
– Olá! Posso saber
por que a graciosa me olha tanto?
Com um sorriso
irônico, ela respondeu:
– Sim! Esqueceu-se de
tirar o crachá do pescoço, quando saiu do trabalho!
Imediatamente,
apertei a campainha e desci do ônibus, mesmo faltando cinco pontos para chegar
ao meu destino.