UM LEILÃO DE BURROS – Dezembro 1998
Continuando a história de nossa pedalada pelo Marrocos,
chegamos a Zogora, uma misteriosa e encantadora cidade. Assim como todos os
lugares onde estivemos, chamou-nos a atenção o pudor das mulheres com suas
vestimentas longas e o rosto sempre coberto. À vista apenas os olhos:
misteriosos, belos, e ousaria eu dizer, sedutores. Os homens também, quase
todos, com uma espécie de capa ou um capuz na cabeça, ou então com um turbante,
que lhes dão ares de personagens dos contos das "Mil e Uma Noites".
Ao final da tarde, visitamos uma fantástica biblioteca, e
lamentei profundamente não entender a língua árabe, pois os títulos dos livros
e seu conteúdo eram realmente instigantes. Para um leitor compulsivo e voraz
como eu, foi realmente uma frustração. Sorte que tivemos um encontro com um
professor de história do Marrocos, e também profundo conhecedor do Corão, que
falando fluentemente inglês, ensinou-nos muito sobre a cultura do país.
Soubemos por ele que o Marrocos fez parte do Império Romano, havendo muitas
ruínas em um lugarejo chamado Volubilis, o que depois confirmamos, ao passar
por lá. Aliás, eu diria que dos vários lugares em que já ví ruínas do Império
Romano, Volubilis é onde mais resistiram ao tempo.
E isso porque os otomanos,
que tanta coisa destruíram, jamais tomaram Fez. Disse-nos também o professor
que os islâmicos rezam cinco vezes ao dia, e as orações são puxadas pelo Iman,
líder religioso e superior das mesquitas. Aliás, impressionou-me profundamente
a oração das cinco da manhã, com o sol nascendo em Marrakesh. A oração é feita
em voz alta, de uma maneira que a voz do Iman ecoa por toda a cidade,
reverberando pelas montanhãs que a cercam. A oração é laudatória e, ao mesmo
tempo, feita em tom de advertência. Nosso culto professor também nos disse que
todos os árabes que têm as iniciais CD entre seus nomes, são descendentes do
profeta Maomé. E o atual rei do Marrocos as tem. E para quem quiser ler o
Corão, as melhores traduções são as dos paquistaneses, segundo a opinião do
professor. Eu, como ignorante que sou em assuntos árabes, nada posso opinar.
Aliás, por falar em ignorantes, fomos, no dia seguinte, ver um curioso leilão
de burros. Vocês já imaginaram burros expostos como se fossem automóveis? Pois
assim estavam eles, em um insólito leilão, frequentado por entusiasmados
compradores. Jegues de todos os tipos, cada um para um tipo de terreno ou para
diferentes trabalhos. Antes que eu comprasse um, montei na minha bicicleta e
segui viagem.
No próximo número, os camelos e uma noite no deserto.