QUESTÕES ACADÊMICAS - CIÊNCIAS DA SAÚDE
Artigos publicados na Folha de S. Paulo e na revista Piauí, nos últimos dois anos, denunciam fatos que, se levados devidamente em conta, deveriam alarmar todos aqueles que se denominam cidadãos. Alguns deles, baseados em livros escritos por médicos, psiquiatras e jornalistas de grandes jornais ingleses e americanos, deixam clara a ligação entre os maiores laboratórios farmacêuticos do mundo e aqueles que ocupam lugares chave no ambiente acadêmico na área médica. No primeiro, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo é indagado sobre as consequências éticas do fato que professores eméritos de universidades paulistas recebam quantias para "pesquisa e desenvolvimento" de medicamentos das indústrias farmacêuticas. Nada seria assim tão sério se essas quantias não alcançassem valores formidáveis, ou benefícios incontestáveis. O artigo levantava a hipótese que estes valores conformassem um suborno institucionalizado. Ocupando uma página inteira da Folha, com direito a desenhos ilustrativos, mostrava o fluxo desse vultuoso capital. Depois de quase dois anos, gerou uma resposta, há alguns meses, com medidas limitando o recebimento destes valores, até que ponto efetivas não sabemos.
Muito mais que criar um dogma acadêmico medicamentoso, esses trânsitos de dinheiro criam uma relação "ganha-ganha" entre as duas partes – os professores responsáveis por departamentos e a indústria farmacêutica. Esta relação, a meu ver totalmente ilegal e cabível no modelo de formação de quadrilha, congela qualquer tipo de projeto que invista esforços em uma literatura científica genuinamente brasileira, respeitando nosso modelo social, nossas mazelas e nossos recursos em saúde. Hoje, temos as honrosas exceções preconizadas por excelentes profissionais médicos e pesquisadores médicos sediados na Unifesp, USP e outras universidades pelo Brasil, que já publicam artigos mostrando benefícios de práticas simples e com base na educação. Mas a regra é ainda a medicina medicamentosa, reducionista e movida a milhões de dólares. O que causa espanto é que esse modelo não é mantido por "evidências científicas" ou "benefícios diretos para a população". O que percebemos é que o modelo se mantém por relações financeiras tão lícitas quanto casas de jogos ou outras contravenções. É parte desse enorme tapete brasileiro, debaixo do qual todo lixo fica acumulado. O segundo artigo, publicado em agosto de 2011, na revista Piauí, por Marcia Angeli, denominado "A Epidemia de Doença Mental", resume três livros recentes que denunciam as práticas dos lobbies farmacêuticos norte americanos frente ao FDA (Food and Drug Administration) equivalente à Anvisa brasileira.
Kisch denuncia o forjamento de resultados, suborno de funcionários do FDA, a confirmação de que os antidepressivos não funcionam e nunca funcionaram de fato, Carlat demonstra como a profissão se aliou à indústria farmacêutica e é manipulada por ela e Whitaker, por fim, demonstra como os antidepressivos criam problemas maiores do que aqueles que se propõem a resolver. Este modelo, de distribuição de psicotrópicos, já é amplamente disseminado no país e utiliza-se de toda a rede do SUS – inclua-se aí o próprio Programa de Saúde da Família – para levar medicamentos psicotrópicos, ou nossos conhecidos sintomáticos que não resolvem os desequilíbrios, apenas os adiam e os mascaram. O sistema se tornou tão eficiente que mesmo as famílias de baixa renda recebem os medicamentos tarja preta gratuitamente, pagos com recursos do estado. O assunto é longo e pretendo dividi-lo em partes, pois toda esta falange ocupa também nosso ambiente científico e nossa produção científica. Ao ler este curto artigo, sinta-se mais propenso a estudar os fatos e, se é estudante universitário ou profissional médico, pergunte-se porque vocês estão sendo educados ou foram educados com este perfil pelas academias que os estão formando ou os formaram.
Pense que você é um profissional livre. O próprio CRM e seu próprio diploma permitem que você crie, que você faça a diferença e possa abandonar este modelo obsoleto e ineficaz. É lógico que vão faltar recursos financeiros para isso. Criar um novo país, que ocupe o cenário mundial, significa revisar todos estes tipos de ligações com modelos obscurantistas. Nós podemos fazer a diferença, já estamos fazendo, e nosso país ainda levará as novas informações evolutivas em saúde e agricultura para um novo mundo. Principalmente para a África, uma de nossas matrizes étnicas e outros setores do planeta que são também rapinados, como se pode ver no filme O jardineiro fiel, dirigido por Fernando Meirelles. No próximo "questões acadêmicas" vamos discernir sobre a produção científica brasileira. Até breve.
Alberto P. Gonzalez, médico
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