Durante muito tempo, tive o hábito de manter um bloco e um lápis ao lado da
minha cama para, caso me viesse uma boa ideia de poesia ou música em sonho,
passá-la para o papel, ao acordar. Foram muitas as vezes em que despertei no
meio da noite com o que julgava ser uma boa ideia. Quando isso acontecia,
imediatamente transcrevia o que sonhara, e voltava a dormir. Contudo, pela
manhã, ao ler o que escrevera, sempre a mesma decepção: tudo uma porcaria.
Coisas confusas, que me levaram a concluir que a dimensão dos sonhos é
diferente da realidade. Abandonei o hábito, e tratei de adormecer meus sonhos.
Entretanto, três anos depois, eu e o maestro Eduardo Lages fizemos uma música para o Roberto Carlos, que, embora tivesse gostado da melodia, sugeriu algumas alterações na letra, o que era comum. O problema é que o prazo que ele nos dera era exíguo, e por mais que eu me esforçasse não conseguia acertar.
Para piorar as coisas, Roberto ia gravar o disco em Nova York, e queria levar tudo pronto. Um dia antes da viagem, fui à sua casa para lhe mostrar as modificações. O homem, exigente como sempre, não gostou. Combinamos, então, que ele me telefonaria na noite anterior à gravação, e caso eu não lograsse êxito, a música ficaria de fora.
Quase entrei em desespero; afinal, há muitos anos, eu sempre tinha uma música gravada pelo rei, e todos os compositores sabem como isso é difícil.
Na verdade, o problema era com duas frases, mas, às vezes, mudar duas frases é mais complicado do que refazer a letra toda.
Às seis horas da tarde, de Nova York, Roberto me ligou dizendo que a qualquer momento me chamaria outra vez, e agora definitivamente.
Trabalhei como um louco e fiz duas frases novas. Cantei com a melodia. Tudo ok. Só que nada de o homem me telefonar. Cansado, fui dormir, com o telefone ao meu lado, bem como o bloco e o lápis.
Às duas da madrugada, acordei com novas ideias. Escrevi tudo rapidamente, para não me esquecer do que sonhara. Pouco depois, o rei me telefonou, e eu lhe passei as frases.
Ele anotou e cantou a música toda com as alterações.
Ainda me lembro de suas palavras: â??bicho, até que enfimâ?.
Daí para a frente voltei a dormir com papel e lápis sempre a meu lado.
O nome da música? â??Coisas do Coraçãoâ?.
Nota da redação: veja a música e a letra em http://letras.terra.com.br/roberto-carlos/369901/