Quando eu vim morar no Recreio, buscava um lugar calmo neste nosso Rio de Janeiro. Sonhava, como no poema, andar à beira-mar, bafejado no rosto pelo vento leste. Queria um lugar que me propiciasse escrever minhas canções e meus livros. De fato, tudo correspondeu aos meus anseios. Parecia-me estar numa pequena cidade.
Da minha janela via as montanhas próximas e as longínquas. Era acordado pelo canto dos bem-te-vis, e observava o voo em bando e disciplinado dos biguás. No quintal arenoso da minha casa encontrei siris e até mesmo cobras. Não exagero ao dizer que minha sala costumava ser invadida por borboletas e passarinhos.
Infelizmente, certo dia, constatei que as coisas começavam a mudar. Casas e prédios foram erguidos, roubando-me a vista das montanhas. Constatei também, consternado, que os biguás já não mais passavam sobre minha casa, alterando sua rota para os lados do mar, fugindo da poluição aérea e sonora.
O rio que banha meu condomínio ganhou uma cor escura que, desavergonhadamente, leva para o mar. Contudo, ainda era o meu Recreio, um oásis, um paraíso, no meu Rio de Janeiro.
Agora, vejo com preocupação a cidade chegar para o meu lado. Ruas são abertas, avenidas duplicadas, túneis perfurando as poéticas montanhas. O trafego aumenta, o barulho cresce, e a paz diminui.
Ora, dirão, é o progresso. Tudo muda. Justificam as obras com as exigências para realizar a Copa e os Jogos Olímpicos. E vão transformando tudo em bairros de passagem.
E aí, eu pergunto: passagem para onde? Cidades administradas por gente inteligente não destroem as características dos seus bairros. Quando muito constroem metrôs ou veículos leves sobre trilhos para transportar seus habitantes.
Aqui, no entanto, a prioridade é para os carros, que já nem têm mais onde estacionar. É um transito infernal, que toma quase uma hora de quem se desloca entre a Barra e o Recreio.
Dizem alguns que, quando as obras terminarem, tudo ficará melhor.
Pode ser, mas a verdade é que nada será como antes: os biguás já estarão longe, e os bem-te-vis cantarão em outra freguesia.