Há pouco tempo, ao fim de minha entrevista para o Sem Censura sobre o meu livro “O Homem que Venceu Getulio Vargas”, Leda Nagle me perguntou se eu seguiria como escritor ou como compositor.
Essa pergunta me tem sido feita por várias pessoas, e eu não sei como responder. Claro que são dois ofícios diferentes, mas me sinto perfeitamente capaz de desempenhá-los concomitantemente. Ao mesmo tempo compreendo essa necessidade moderna de pespegar rótulos nas pessoas, como se fossem marcas que cada um ostenta na vida.
Contudo, o ser humano deve ser livre, porque seu bem mais valioso é a liberdade, e é com ela que ele se realiza. Dorival Caymmi foi um grande compositor, mas era também pintor, nas horas vagas. Tinha fama de preguiçoso, mas estava sempre fazendo arte.
Vinicius de Moraes era poeta, letrista e diplomata. Tom Jobim, maestro, compositor e ecologista. Nelson Motta é compositor, produtor, jornalista e literato. Porém, o caso mais extraordinário dessa busca pela liberdade foi o de um amigo que estava para se ordenar padre.
Para preservar sua privacidade, omito o nome, mas conto a história. Após completar seus estudos de teologia e filosofia no seminário, foi enviado a Roma para ficar dois anos em retiro espiritual, falando apenas em latim. Na volta, faria seus votos e se ordenaria. Pois bem, foi aí que a coisa desandou, como ele me confessaria, mais tarde.
Naquele estado de reclusão, ao invés de ter sua fé reforçada, começou a desenvolver um espírito crítico incompatível com a disciplina da vida eclesial. Ao retornar ao Brasil, em vez de ler a Bíblia e o breviário, pôs-se a ler e escrever poesias. Descobriu-se romântico e incapaz de professar os votos de castidade. Pediu licença à Cúria para permanecer algum tempo na vida laica, a fim de testar sua vocação.
Jamais voltou ao meio eclesiástico. Casou-se três vezes e desenvolveu uma tese em que dizia que Deus está onde o amor se realiza. Talvez por isso viva até hoje em busca do amor.