Há algum tempo, li no jornal que um sujeito embriagado, funcionário de um zoológico, entrou na jaula dos macacos para grelá-los. Os pobres animais, assustados com a inesperada visita, tentaram defender-se pulando em cima do homem, que desferiu um murro no olho de um dos símios, provocando-lhe danos, talvez irreversíveis. Tal fato veio ao encontro de uma ainda tímida campanha que faço contra a existência de zoológicos. Lembro-me que desde menino sinto grande repulsa por essa irracional instituição que incentiva o aprisionamento de animais e os coloca em verdadeira jaula, expostos à curiosidade dos humanos.
Afinal, que sentido tem isso? Os animais são arrancados de seu habitat, onde poderiam viver livremente, para passar sua existência humilhados e tristes. Muitos nem procriar conseguem. Que ensinamento isso traz para as crianças? Hoje em dia, há documentários e vídeos fantásticos muito mais úteis para as crianças, em que os animais são retratados no seu meio ambiente. Já estão superados os conceitos filosóficos e religiosos que diziam que tudo que existe no planeta está sujeito à vontade humana.
Na verdade, o que cabe ao homem é zelar e proteger as demais espécies.
Muito diferente são as reservas africanas. Lá, os animais são livres, sendo que a delimitação dos territórios é para protegê-los da ação dos caçadores. As pousadas são poucas, e a frequência dos humanos, controlada. A própria cadeia de alimentação dos bichos é natural. Tudo acontece como quer a natureza.
Tive a fortuna de estar em uma dessas reservas, na África do Sul, e acompanhar de perto (talvez até perto demais) a vida dos animais. Dentro de um jeep aberto, vi-me em meio a elefantes, rinocerontes, búfalos, girafas, leões e outros magníficos felinos. Para que nada interfira na vida da selva, até mesmo os horários das excursões são respeitados. A África sabe que os animais são sua maior riqueza e trata de respeitá-los. Sem dúvida, a África tem muito a nos ensinar, para acabar com esses zoos sem lógica.
Há pouco tempo, a TV Globo produziu uma minissérie, denominada Desejo, sobre a vida de Euclides da Cunha. Embora fosse uma primorosa produção, não me passou desapercebida a diferença física entre o escritor e o ator Tarcísio Meira. Enquanto Euclides era feio, coisa que ele mesmo reconhecia e lamentava, Tarcisio Meira é considerado por muitas mulheres o homem mais bonito da televisão brasileira.
O resultado é que ficou no público a impressão de que o escritor também tinha uma forte presença física. Não tinha, mas a presença intelectual nas letras do nosso país é extraordinária.
Seu mais notável livro, Os sertões, é leitura obrigatória para todos que querem se aprofundar no conhecimento da alma do nosso país, principalmente após o fim da monarquia e nos primórdios da república.
Sou fã confesso de Os sertões, tendo-o lido duas vezes, e constantemente consulto suas páginas, o que sempre me remete ao tempo em que a história foi escrita.
Certa noite, jantando num restaurante do Leblon, conheci um erudito maranhense, homem já de provecta idade, que me revelou seu entusiasmo pela obra euclidiana.
Poucos dias depois, enviou-me três livros com as obras completas daquele autor.
Um deles, intitulado Caderneta de campo, traz anotações feitas no palco da guerra de Canudos, revelando as mortes e atrocidades cometidas tanto pelas tropas do governo como pelos seguidores do “santo tosco” Antônio Conselheiro. Traz também versos e profecias dos rudes homens do sertão.
E é aí que a gente constata que lá no semiárido a coisa continua igual: fome, doenças, abandono, ignorância. Entra e sai governo, e nada muda. Quem já andou por essas regiões sabe do que estou falando.
Certamente por isso, Euclides escreveu de forma lapidar em seus comentários sobre o estúpido ataque do governo contra aqueles pobres jagunços: “melhor seria se ao invés de canhões tivessem trazido hospitais e escolas”.
Ao dizer isso, Euclides da Cunha certamente tornou-se tão belo como o grande ator Tarcísio Meira.